Guerra de Cera: noites de Finados em Peri Mirim

Guerra de Cera: Noite de Finados em Peri Mirim

Por Diêgo Nunes Boaes

As noites no cemitério sempre meteram medo em muita gente. Mas pra nós de Peri Mirim, era o contrário: quanto mais escuro, mais viva parecia a aventura. A gente esperava o Dia de Finados com ansiedade de festa. De manhã, o povo ia cedo, acender vela pros seus, fazer promessa, rezar baixinho entre as cruzes. E nós, respeitosos mas inquietos, ficávamos por ali, olhando o lume tremendo das velas, esperando o momento em que o silêncio tomava conta.

Quando a noite caía e o vento soprava entre as covas, a brincadeira começava. Desmanchávamos as velas nas mãos, a cera quente se misturando com o riso, e fazíamos bolinhas. E então, sem aviso, o cemitério se transformava num campo de guerra, não de dor, mas de alegria. Era bola pra cá, bola pra lá, gritos, correria, risada solta. Até as velas mais teimosas, duras de derreter, viravam munição.

E lá íamos nós, iluminados pela lua e pelas chamas trêmulas, fazendo do descanso dos mortos um cenário de vida. O medo? Esse nunca apareceu. O que havia era coragem, era infância, era vontade de ver a noite passar leve. Entre uma risada e outra, parecia que até as almas se juntavam à festa, brincando conosco, soprando o vento que apagava as velas e reacendia a memória. Assim eram as nossas noites de Finados: cheias de cera, de riso e de lembrança boa.

A gente esperava o dia chegar não só pra acender vela pros entes queridos, mas pra reacender também o fogo da juventude. Porque, no fundo, aquelas guerras de cera eram mais que travessura, eram um jeito bonito de dizer que a vida continua, e que até entre os túmulos há espaço pra gargalhar com os vivos.