Por Sodré Neto
Um bom começo pode ser extraído do conto de Guimarães Rosa, A terceira margem do rio, ao dizer que “nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação”. Assim era Zé Santo, a quem peço vênia para chamar, a partir de agora, de Papaizão.
Nascido em 2/2/22, natural de Palmeirândia e criado na Jurema em Peri-Mirim, Papaizão, aos dezoito anos, já assumia as rédeas da família em virtude da perda de sua mãe. Aqui, percebo que a precocidade de sua paternidade permitira o desenvolvimento de tudo o que se sucedeu. Os acontecimentos não foram fáceis, mas, para ele, não precisavam ser. “Mar calmo nunca fez marinheiro experiente”. E, assim, a vida o fez um almirante de primeira!
Comunicar não é sair verbalizando tudo e Papaizão sabia disso como poucos. Lembro-me dos momentos em que nos sentávamos todos à mesa para almoçar – vestidos com camisa, é claro! – e, por alguma ou outra razão, começámos a tagarelar. Evidente era o desrespeito àquela hora sagrada que ele ensinara com seus agradecimentos silenciosos sobre o prato de comida. Bastava que ele repousasse a sua colher sobre o prato para sabermos que o limite havia sido ultrapassado. Se ele levantasse a vista, pronto! A vergonha se instalava entre nós.
Mas nem sempre gestos são suficientes e palavras precisam ser ditas. Ele também sabia disso. Aliás, em toda nossa história, acabei não conseguindo descobrir o que ele não sabia. Mas voltemos às palavras. Com a precisão de um neurocirurgião, Papaizão proferia, sussurrava e até disparava palavras, tamanha era a sua destreza com elas. Com o tom perfeito para cada ocasião. Não me lembro de tê-lo visto gritar com alguém que estava perto. Não porque lhe faltava capacidade ou estridência, mas porque lhe sobrava sabedoria.
E, ainda tratando das palavras de Papaizão, me lembro das muitas histórias contadas quando nos sentávamos num mocho para que ele cortasse os nossos cabelos. Do que não me lembro – porque não acontecia – era dele repetir os contos, salvo se houvesse pedido nesse sentido.
Não posso deixar de mencionar que Papaizão não confrontou o tempo, como muitos de nós o fazemos. Eles se aliaram. Lembram daqueles almoços sagrados em silêncio? Pois é, continuaram sempre sagrados, mas deram lugar a risos e boas conversas. As inarredáveis rugas se apresentaram no rosto, mas a velhice nunca lhe tocou o coração.
As conversas e histórias sobre a sua meninice não saíram de cena. Entretanto, surgiram piadas sobre Barack Obama. Ele viveu em um tempo atemporal. E, se vivesse mil anos, falaria de carros voadores como conversava sobre uma plantação de maniva.
Enganam-se aqueles que acham que sua sabedoria se esvaiu com seu corpo. Hoje, a sua descendência fala – ou cala! – seguindo os passos de Papaizão. Não com a mesma habilidade, é bom que se diga. Carregamos marcas indeléveis de sua educação, de seu caráter e de sua integridade.
Com estas reflexões sobre as palavras, por pertinência, registro os parabéns pelos 3 anos da Academia de Letras, Ciências e Artes Perimiriense, trazendo as lembranças do nosso estimado patrono da cadeira nº 24, José dos Santos.