Vida na Roça

Por Diêgo Nunes Boaes

Antes do galo cantar, o mundo ainda coberto de sombras, meu avô me acordava. Pegávamos a foice, e a pé cruzávamos o campo, rumo ao povoado Canaranas, novembro anunciando o mês de roçado. Caminhávamos pelos torrões marcados pelo sol e pela seca; eu carregava a garrafa térmica cheia de água gelada, minha avó a farofa de ovo, às vezes uma carninha seca, mas a farinha d’água nunca faltava. Ao chegar à casa da bisavó, recebíamos a bênção e partíamos para o roçado do meu avô, Domingos.

Entrávamos mato adentro, ele cortava os arbustos, eu puxava, ajeitava, deixava o tempo secar cada talo, cada folha. O som da madeira ecoava pelo campo, misturado ao vento e ao canto distante dos pássaros. Depois de três dias de sol intenso, acendíamos o fogo, e as plantas secas queimavam, transformando-se em carvão. Os ombros ficavam vermelhos, a pele manchada de fuligem, mas havia beleza naquele suor, naquela labuta que era também aprendizado.

O cercado se erguia com morões cravados firmes, talos entrelaçados, cipós amarrando tudo. Limpeza feita, aguardávamos as chuvas. Minha bisavó Tonha e a tia Lica chegavam de surpresa, levando a madeira queimada para suas cozinhas.

Quando a chuva vinha, trazia vida à terra e ao trabalho. Começávamos o plantio: milho, feijão, maxixe, maniva e arroz. Cada mão enterrava sementes com cuidado, cada gesto tinha ritmo. As cuias recebiam o milho, duas ou três sementes; a maniva, cortada, alinhada em pares; o arroz, cinco em cinco; o feijão, três ou quatro. Cada semeadura era música, dança, ritual de paciência e esperança.

Ao longo das chuvas, capinávamos, olhávamos se porcos invadiam cercas, cuidávamos do ritmo das plantas. Meu primo, travesso, colocava dez caroços de milho em cada cova, e ríamos juntos da pressa e da alegria do trabalho coletivo.

Quando abril chegava, colhíamos o milho. A melhor parte: comer milho assado, cozido, ralado para pamonha ou canjica, alimentar os animais com as espigas duras. Entre os talos e as sementes, colhíamos frutas do mato, maracujazinho, murta, ingá, veludo, pequenos tesouros doces escondidos entre o verde.

O cansaço era intenso, mas o aprendizado maior: a força do trabalho, o valor da família, a importância de cada gesto no sustento da casa. Das mãos calejadas do avô aprendi paciência, coragem, e a alegria de colher o fruto do esforço. Cada dia no roçado era lição de vida, poesia silenciosa da terra e do suor, memória viva que carrego comigo, como cheiro da chuva sobre o torrão seco, calor do sol no ombro e a música lenta das mãos trabalhando a terra.

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