Autor: Diêgo Nunes Boaes
Algumas noites, quando o relógio cruzava as vinte e uma horas e o vento começava a sussurrar entre as casas, ela aparecia.
Deslizava pelas ruas de Peri-Mirim com os pés descalços, uma boneca na mão e um lençol branco que lhe cobria da cabeça até as pernas. Na parte de cima, parecia um capuz; para baixo, um vestido que dançava com o vento, como se tivesse vida própria.
Alta, magra, pálida uma presença que não tocava o chão, apenas passava.
Ninguém sabia de onde vinha, nem para onde ia. E quem ousava encarar seus olhos, dizia sentir um arrepio que começava na nuca e terminava nos ossos.
Ela nada dizia, e o silêncio era o que mais assustava.
A cidade, antes tão calma, começou a inventar nomes, rostos, histórias.
Uns diziam que era uma moça perturbada que andava durante o dia pelas ruas, mas logo a hipótese se desfazia a mulher do lençol era branca e alta, enquanto a moça era pequena e negra.
Outros juravam que vinha da Rua da Murtinha, onde as sombras se misturam com a fumaça dos vícios, mas também não, lá, ninguém a conhecia.
E havia ainda quem afirmasse, com convicção de beato, que era uma policial federal disfarçada, escondendo uma arma dentro da boneca.
Mas nada se provou.
O que se sabe é que ela continua rondando as madrugadas, como se fosse parte do próprio silêncio da cidade.
Quando ela passa, o tempo parece suspender o fôlego. Os cães calam, as janelas se fecham, e os poucos que ainda ficam à rua prendem o olhar, entre o medo e a curiosidade.
E fica a pergunta que a todos consome, mas ninguém ousa fazer em voz alta:
será uma mulher de carne e osso…
ou uma assombração que veste o branco da eternidade?
