Por Ana Creusa
José dos Santos, meu pai, era um contador de histórias. Ele estudou apenas três meses. Depois desse período, a professora mandou comprar-lhe livro de 2º ano primário.
As aulas foram interrompidas e o menino ficou com seu livro, leu e releu, memorizou todas a lições, que depois contava a seus filhos. Memorizou todos os afluentes do Rio Amazonas, margem direita e esquerda; os números do Jogo do Bicho em verso e outras histórias memoráveis.
Uma história que me marcou muito e que me causava medo, mas que contém uma lição de vida que não pode passar despercebida, trata-se da história chamada “Vá, e entrega-te ao vício da embriaguez”[1]
Era uma vez um menino chamado Antônio, o Toinho, muito educado e obediente aos pais, mas tinha a mania de chamar “nomes feios[2]”, apesar das advertências constantes de sua mãe que dizia que esses nomes são do Maligno.
Certo dia, a mãe mandou Toinho que fosse à quitanda comprar açúcar para temperar o café que já estava quase pronto.
No caminho, o rapazinho deu uma topada em uma pedra que o levou ao chão, levantou e desfilou sua insatisfação proferindo todos os nomes do seu imenso vocabulário: mi, di, borra de café …[3]
Ao levantar-se, tomou um susto ao ver um homem com vestes estranhas, com um gorro na cabeça, um cajado e forte cheiro de enxofre que lhe falou em tom autoritário:
– Por que me chamas, menino!?
– Eu te chamo?
– Me chamaste sim. Eu sou o Lucífer e atendo por todos esses nomes que você chamou. Uma vez me chamando, eu tenho que fazer meu serviço e disse:
– Vá, mate seu pai; bata na sua mãe e na sua irmã.
– Como posso fazer isso? Matar meu paizinho, bater na minha doce mãezinha e na minha irmãzinha? Não poderei fazer isso!! Me peça qualquer coisa, menos isso!
– Eu não vim aqui à toa, você me chama todos os dias!
– Já que não queres cumprir a minha ordem, então: vá, e entrega-te ao vício da embriaguez.
Antônio chegou à quitanda. Não comprou o açúcar. Com o dinheiro comprou uma garrafa de cachaça, bebeu todo o conteúdo, sob o olhar admirado dos fregueses do pequeno comércio.
Quando chegou a casa estava totalmente embriagado. Seu pai veio ao seu encontro e o filho já lhe desferiu alguns golpes de fação que portava na cintura, o pai correu assustado. A mãe chegou e quis saber o que se passava, o filho lhe deu um tapa no rosto; a sua irmã também fora espancada.
Nesse momento a mãe, que era muito religiosa, percebeu que havia algo de errado com o filho e pôs a orar.
O filho caiu ao solo e dormiu. Ao despertar lembrou da ordem daquele sujeito estranho e percebeu que havia recebido ordem do Demônio para matar seu pai e bater na sua mãe e irmã e que ele havia se recusado, mas que a embriaguez possibilitou que o desejo do maligno se realizasse. Cansado, em gesto de gratidão, disse:
– Meu pai do céu, eu estava fazendo tudo que o Diabo mandou. Por pouco não mato meu pai e espanco minha mãe e minha irmã.
Antônio pediu perdão ao seu pai, mãe e irmã e lhes contou sobre a aparição e ordem que recebera do Satanás.
A partir daquele dia, o rapaz nunca mais chamou nome feio e voltou a ser o menino obediente de sempre. Aprendeu a lição de que o vício da embriaguez pode levar a pessoa a cometer qualquer desatino e até crimes.
[1] Papai contava que na história tinha a ilustração de um menino assustado com a aparição do demônio; [2] José detestava que os filhos chamassem nomes feios e [3] Mi (miserável); Di (desgraçado) e borra de café (porra).