Raimunda França

Por Edna Jara Abreu Santos

Patrona da Cadeira nº 25 da Academia de Letras, Ciências e Artes Perimiriense (ALCAP), ocupada por Edna Jara Abreu Santos. Nasceu em 1919 davam-se o fim da 1ª Guerra Mundial e vinte anos depois (1939) davam-se início à 2ª Guerra no mundo. Já no Brasil, o ano de 1934 foi considerado o divisor de águas na história devido as inúmeras alterações que Vargas fez no país tanto no setor social quanto no setor econômico. Criou leis que beneficiaram a educação, saúde, trabalho e cultura, o qual ficou conhecido como a promulgação da Constituição brasileira.

E nesse cenário, nascia nesse mesmo ano (1934) no interior do Maranhão, em 05 de fevereiro, a Raimunda França na Povoação Macapá atual Peri-Mirim, filha de José Valeriano França e Atanázia Martha França, naturais e residentes desta cidade, sendo a segunda mais velha dos 6 (seis) filhos do primeiro casamento da sua mãe.

Atanázia Martha França, sua mãe, era doméstica e vinha de uma linhagem de 6 (seis) filhos de João Francisco dos Inocentes e Francisca Romana da Silva, casal que vivia maritalmente, porém não eram casados no Civil. Os seus irmãos eram: João Príncipe dos Inocentes, Francisca Paula dos Inocentes, Hilário Bispo dos Inocentes, Marcolina Rosa dos Inocentes e Juvencio Raimundo dos Inocentes.

Grande parte da povoação que até 1943 se chamava Macapá pertencia ao seu bisavô passando para seu avô João Francisco dos Inocentes – conhecido como “Carabá” (redução de “cabra brabo”) – o qual fez as doações de terras, ainda em vida para seus seis filhos.

Já o seu pai, José Valeriano França, herdou dos pais Inocencio França e Petronila França grande parte do Povoado Portinho (residia onde hoje é conhecida a Passagem dos padres) e a sua esposa Anastásia era dona das terras das proximidades do Povoado Conceição (da ponte de Anastácio para o centro). Com o passar do tempo, foram vendendo grandes lotes de terras por pequenas quantias. Sem saberem ler nem escrever deixavam as suas digitais em documentos de venda e transferências de terrenos e muitas vezes eram enganados por quem tinham estudos e más lábias. E assim foram perdendo terrenos e consequentemente ficando pobres.

José Valeriano, era moreno, lavrador que faleceu em casa aos trinta e seis anos mais propriamente em 01 de julho de 1946. Teve seis filhos com Atanázia, assim sendo: Raimunda, Antônia, Maximo, João, Floriano e Maria dos Inocentes França. Não deixou testamentos nem bens a inventariar. Atanázia se casou novamente e teve mais três filhos.

‘Raimunda de Atanázia’ como era conhecida na cidade, estudou a cartilha do ABC que hoje consideramos o 1º Ano. A criança, o adolescente, ou até mesmo o adulto que concluía a tal cartilha era considerado alfabetizado. E era o maior nível de ensino na época.

Na cidade não havia médicos nem hospitais; quando se tinha alguma enfermidade que os remédios caseiros e os macumbeiros não conseguiam a cura, os doentes precisavam ser transportados em redes ou a cavalos até cidades vizinhas como São Bento, Pinheiro e de canoa para São Luís. Sem vacinas e antibióticos as doenças dizimavam milhares de seres humanos inocentes.

Tinha doze anos quando foi eleito Prefeito o Sr. Agripino Marques (1946 a 1949), que muito trabalhou nos seus quatro anos de governo. Não havia estradas, e o único meio de locomoção era na sela de um cavalo. Aliás, quem possuía um cavalo de “sela de cilico” tinha-se como barão. O prefeito Agripino Marques mandava abrir caminhos nas estradas, assim aconteceu com o Campo de Pouso que era mata fechada com apenas um caminho estreito no meio. Construiu o prédio da atual Prefeitura que servia também de escola.

Ainda jovem, Raimunda foi duas vezes a São Luís; era uma viagem de canoa que demorava dias e noites e tinham como acompanhantes indesejáveis as temidas muriçocas.

No tocante à juventude de Raimunda sentiu que precisava de liberdade então decidiu sair de casa, pensou que deveria buscar formas para viver melhor a sua vida, já que o estado de pobreza extrema imperava na cidade onde nascera. São tantas possíveis justificativas que a fizeram sair de casa, no entanto, o que buscava mesmo era a sua liberdade, ser independente. Porém, mal ela sabia que ao sair de casa, teria um futuro de muita dor e miséria com os seus nove filhos. Três destes vieram a falecer por conta de complicações na gravidez e no parto e em razão da falta de recursos médicos e hospitais, todos os serviços de pré-natal e parto eram feitos pelas mãos das parteiras em suas próprias residências.

Criou os seus seis filhos sem as assistências dos pais, visto que, eles foram concebidos por pais diferentes e muitos dos filhos cresceram, se tornaram adultos sem saberem quem eram os seus ascendentes.

Desde cedo teve que assumir o difícil papel de ser mãe e pai, se preocupando com as terríveis doenças e com a tão preocupante fome e miséria fazendo muitos sacrifícios para criá-los. Talvez por isso tinha uma postura rígida com as proles, ou era apenas um reflexo das judiações e dos hábitos brutos dos seus próprios pais.

Logo após o nascimento dos filhos, ela pedia um caderno e lápis à parteira e escrevia apenas os seus nomes, data e hora do nascimento, depois guardava aquelas anotações como forma de registro. O registro civil em Cartório saia caro e a viagem para o Município de São Bento era muito difícil. Por essa razão, quando tinha a possibilidade de pedir ajuda a algum candidato a Prefeito ou vereador e conseguia a ajuda ela tirava as certidões de nascimento dos filhos.

Todos os filhos tinham a obrigação desde cedo de ajudar o (s) pai (s) ora na roça, ora nos afazeres domésticos e na criação dos irmãos menores.

A sua primeira casa foi erguida com muita dificuldade assim como todas naquela época em que hoje é conhecido o “Caminho da frieira”. Colocavam nos quatro cantos os esteios e para cercá-la formando as paredes eram colhidas e abertas as “pindovas brabas” que são conhecidas como palhas verdes, encontradas na mata das famílias das palmas.

De tempos em tempos havia a necessidade de repor algumas dessas palhas que secavam e apodreciam. Para cobrir as casas utilizavam as palhas secas estaladas, ou seja, abertas, os cômodos eram divididos em duas partes, assim sendo: sala e quarto. As duas únicas portas eram fechadas com “mensabas” e não havia janelas. A cozinha fazia-se na sala, suas louças eram escassas, fazendo jus a falta de alimentos e simultaneamente à fome. Enfincada no chão batido da casa havia uma forte estaca de três pontas com um pote que se armazenava água do poço, havia uma panela, um caldeirão, “caiambucas”, cuias feitas de cabaças que serviam de pratos e colheres na contagem exata com números de pessoas e ao meio diversas redes penduradas nos esteios de ponta-a-ponta.

Aprendera a “sacudir barriga” de mulheres grávidas, ou seja, ‘mexia’ na barriga para ver a posição dos fetos, tamanhos, data do possível nascimento e foi parteira algumas vezes também.

Raimunda viveu por 81 anos (03/05/2015), era vigorosamente protestante e sem dúvidas uma mulher virtuosa, que dedicou sua vida em prol dos seus filhos. Lutou contra a pobreza extrema há mais de seis décadas de sua existência e só depois de se aposentar pelo Sindicato dos trabalhadores rurais que conseguiu construir uma casa de barro para morar.

Esta é uma singela homenagem a esta mulher guerreira, que com seus braços nus ajudou de alguma forma erguer a cidade de Peri-Mirim e/ou contribuiu para o seu crescimento. Em reconhecimento às suas lutas, grandeza e valor a esta verdadeira filha de Peri-Mirim demonstro aqui a minha eterna saudade e gratidão.

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