Por Ana Creusa
O apoio das leis da natureza é o estado de graça. (Deepak Chopra).
Banho tomado. Barba feita. Perfume exalando. Lá estava ele, pronto para mais um baile, em que fora formalmente convidado[1] pelo dono da casa.
Sentindo um leve remorso, por deixar seu irmão João Pedro em casa e, por cima, ainda ardendo em febre, apesar dos chás que lhe preparava a irmã Maria Santos.
Papai falava com tio João Pedro:
– Acho que não devo ir, e se você não melhorar?
– Já estou melhor, Zé, repetia o irmão enfermo.
Papai percebia que aquelas palavras eram apenas para que ele pudesse ir ao baile em paz.
Papai colocava a mão no pescoço do irmão e nada de a febre aliviar, estava igual brasa. Parecia até que a temperatura havia aumentado.
Mas afinal, o que ele poderia fazer? Maria estava cuidando do irmão. Poderia sim, ir ao baile tranquilamente.
Era inverno. Acondicionou sua roupa bem passada em uma caiambuca[2] e saiu, sempre conversando com o irmão que repetia:
– Vai, Zé, eu já estou melhor.
Na saída da casa na Jurema[3] existia um palmeiral[4] que se movia com a ação do vento, fazendo um barulho assustador.
Papai saiu em meio àquelas palmeiras. Logo percebeu que um temporal se avizinhava. Tinha a sensação de que as árvores cairiam naquela hora.
Voltou para casa correndo para que aquela situação melhorasse.
Conversou com o irmão enfermo que estava sentado na rede de dormir. Não chegou a chover. Era apenas uma ventania.
Na terceira vez que saiu de casa para ir à festa, novamente a tempestade se formou e José voltou para casa. No caminho de volta decidiu que não iria mais àquela festa, que não deveria mais insistir. Quem sabe o seu irmão pudesse piorar.
Naquela festa no Povoado de Poções o seu grande amigo Raimundo de Genoveva que atendia pela algunha de Raimundo Lagarto[5] foi duramente espancado, sofreu açoites de cassete e facão. Ficou muito doente e, dias depois, veio a óbito.
A conversa no dia seguinte era que os inimigos de Raimundo Lagarto iriam primeiro matar José Santos, para que o caminho ficasse livre para eles poderem matar seu amigo.
José Santos sabendo dessa história, não teve dúvidas: todos aqueles eventos, doença do irmão e tempestade, o livraram da morte naquele dia.
Sempre pensava como teriam ficado seus irmãos se ele fosse assassinado? Com essa experiência, ele jamais insistia. Seguia sua intuição, que ele tinha certeza de que vinha de Deus.
Papai tinha o hábito de não insistir, não teimar, não “forçar a barra”, viva na Graça. Cultivava a sua intuição.
Não raro, formávamos uma viagem, arrumávamos tudo e quase na saída, ele dizia:
– Eu não vou mais.
– Como assim? Já estamos prontos, já compramos a passagem!
Ele repetia:
– Eu não vou mais.
Os habituados àquela situação nem mais instigavam. Alguns queriam explicação:
– Por que o senhor não vai mais?
Ele não explicava, apenas desistia e procurava concentrar-se em outra coisa. Viagem desfeita. Negócio inconcluso.
Assim vivia meu pai: na Graça. Surfava na onda. Deixa a vida o levar. Sem pressa. Obedecia aos comandos da sua intuição e ponto final.
Ele contava a origem desse comportamento que ele definia como obediência a Deus. Foi exatamente no dia da festa em que seu irmão João Pedro estava doente e seu amigo foi morto que, após vários sinais, ele resolveu entender que não era para ele comparecer àquela festa em que estava preparado o seu assassinato.
Para mais detalhes sobre o personagem principal desta história, leia a Biografia de José dos Santos.
[1] O convite para os bailes era requisito essencial.
[2] Era costume à época acondicionar roupas em caiambuca para proteger da chuva.
[3] Refere-se ao Sítio Jurema no Povoado Cametá (ou Cametal) onde residia José Santos e seus irmãos.
[4] Área que possuía muitas palmeiras de babaçu antigas, por isso, eram bem altas.
[5] Eu havia esquecido o nome do amigo de papai, tio João Pedro confirmou o nome Raimundo de Genoveva era irmão de Dionísio.