
Por Diêgo Nunes Boaes
Brincadeira de criança
Veio-me à memória a brisa leve, o cheiro da terra molhada depois da chuva, o canto tímido dos pássaros que dançava sobre as terras dos meus avós. Debaixo da mangueira, eu me sentava e deixava que o vento me presenteasse com pequenas mangas caídas. Com uma farpa de pindoba, transformava aquelas frutas em bois e vacas: um, dois, e logo toda uma boiada surgia entre meus dedos. O mundo cabia ali, entre a imaginação e o simples gesto de brincar.
Minha avó contava histórias de bonecas feitas de sabugo de milho, e meu avô criava milagres com o que tinha à mão: cata-ventos de folhas de pindoba, brinquedos que giravam com o vento; cascas de coco manso que se tornavam pés-de-lata; latas de sardinha que viravam carrinhos; folhas de bananeira e de pindoba que se transformavam em cavalinhos, e o barro do campo que, sob suas mãos, virava bois e cavalos. Cada brinquedo carregava vida, e cada brincadeira, magia.
Minha bisavó, com suas bonecas de pano, hoje se encanta pelas modernas que falam, preenchendo seu quarto de vozes e sorrisos. Ela ainda brinca, ainda se permite ser criança, e nos seus gestos vejo que o tempo não apaga a ternura, apenas a transforma em lembrança viva. Brincar, percebo, é mais do que gesto: é memória, é poesia, é o coração que aprende a ver beleza nas pequenas coisas.
E quando falamos de andar de canoa? Era uma alegria sem fim, e ainda recordar a maravilha que era sentir a brisa suave do campo, o cheiro úmido da terra que ainda guarda histórias, o perfume das folhas e a doçura do ar que acaricia a pele. Os pássaros cantam como notas dispersas pelo espaço, enquanto patos e parturis deslizam sobre a água, mergulhando com precisão, buscando alimento, despertando encantamento.
A canoa se movia lentamente, enforquilhando, balançando de um lado para o outro, sentindo o barro maciço que se mantém firme sob nossos pés, companheiro antigo e silencioso, testemunha de tantas jornadas. Nas margens, os pés de folhas abrigam ninhos: jaçanãs, joaninhas, criaturas minúsculas que colorem o espaço com vida, cores e segredos.
À frente, um recanto surge, limpo, tranquilo, perfeito para uma pausa. Mas a alegria insiste, e a canoa se alaga, a água invade, fria, clara, provocando risadas e saltos. Mergulhamos todos, corpo e espírito, rindo, gritando, sentindo a água envolver-nos, sentir a liberdade e a felicidade simples de existir naquele instante.
O vento passa entre nós, a luz dança na superfície da água, e por um momento o tempo deixa de existir. Não há preocupações, nem pressa. Só nós, o campo, a canoa, a água, e o riso que se espalha como música. O dia parece infinito, e cada mergulho é uma promessa de que a infância, mesmo que fugaz, permanece viva dentro de nós, como o canto dos pássaros, o cheiro do barro e a brisa que nunca se cansa de nos tocar.
Hoje, enquanto o cheiro da comida me envolvia, me dei mais uma vez que as brincadeiras eram simples, sem recursos, mas intensamente puras. Não havia malícia, nem intenção de machucar; apenas momentos que se imprimiam na memória, despertando riso, coragem e vontade de viver.
No balanço de pneu, preso aos troncos grossos da mangueira. Sentar-se nele era tocar o céu com os dedos. A cada impulso, o mundo se expandia, e eu voava sem tocar o chão. A imaginação era vento e força, medo e desafio se misturavam, dissolvendo-se no riso.
Brincar de balanço exigia força e habilidade, mas a melhor parte era o instante de suspensão, aquele momento entre o chão e o voo, quando o frio na barriga transformava-se em êxtase. O medo de altura desaparecia, rendido ao sorriso amarelo que surgia nos lábios, tímido e verdadeiro.
O balanço era mais que um brinquedo. Era liberdade. Era voo. Era aventura e magia. Cada impulso era um reencontro com o mundo que a infância nos oferece: infinito, leve, possível.
Na rua da minha casa, brincávamos de bete, ou tacobol como muitos conhecem, era uma relação entre latas, litros e tacos, a rua se enchia de círculos riscados no chão.
Tacadas brutas, correria, gritos que se espalham como vento.
A bola ia de mão em mão, os pés descalços batem no chão,
e a alegria se misturava com o pó e o sol da tarde.
Uma dupla segura a bola, outra enfrenta o taco;
os contadores correm de dez em dez, até cem, até a vitória,
até o riso final que anuncia o campeão.
“Licença! Licença!” ecoa nos momentos de tropeço,
e entre pequenas quedas e grandes risadas,
todas as crianças celebram a festa que é ser criança.
No meio da brincadeira, do calor e da poeira,
reina a cansaria, mas também a emoção,
a sensação única de liberdade,
o coração batendo rápido,
os braços abertos para o mundo que é só delas.
E cada tacada, cada corrida, cada riso,
se torna memória viva,
como se a rua guardasse a eternidade da infância.
Correr, pular, brincar, sentir o vento no rosto e o chão quente sob os pés descalços.
Chorar, sorrir, estudar, tropeçar, levantar-se, aprender.
A vida da infância é essa dança de pequenos gestos, de grandes descobertas,
um mundo inteiro cabendo em risadas e em sorrisos singelos.
Ser feliz é simples: basta ter amizade para dar,
um sorriso aberto, leve,
e a coragem de fazer o que é preciso, mesmo com dúvidas que rondam o coração.
Deixe para trás o que envenena, abrace o que aquece,
pois viver vale a pena, e cada instante pode ser memória viva.
No meu tempo de criança havia: corda, queimado, futebol, amarelinha, elástico, boca de forno,
roda, corrida de saco, rouba-bandeira, bombarquinho, peteca, mímicas.
Cada brincadeira um portal, cada risada, um fio dourado que nos ligava à alegria.
Ah, como é bom recordar!
Os tempos simples, os jogos pequenos,
fazem bem à alma, acalmam o coração,
nos lembram que a infância não se perde, apenas se transforma,
em lembrança, em calor, em canto de liberdade.
E mesmo agora, adulto, é possível sentir:
a corda que estala, a bola que rola,
o grito de amigos, a corrida sem fim,
o sorriso amarelo no rosto cansado,
a felicidade pura, sem malícia, apenas vida.